São 27 anos de handebol, um título mundial, quatro Pan-Americanos e muita história para contar.

O mês de junho foi marcado pela aposentadoria da Daniela Piedade, pivô de handebol. A atleta foi um dos grandes nomes da modalidade brasileira e é conhecida como uma jogadora de muita raça dentro e fora das quadras.


Em 2012, passou por um momento delicado, quando sofreu um AVC. Com uma recuperação exemplar, retornou às quadras em 2013 e ainda ajudou o Brasil a conquistar o título mundial inédito na Sérvia, neste mesmo ano.

Daniela ainda teve outras importantes conquistas pela seleção brasileira e pelos clubes que passou. Em 2016 após o jogos do Rio, aposentou da seleção brasileira e no dia 1º de junho de 2018 anunciou a aposentadoria como uma atleta profissional.

Confira abaixo a entrevista emocionante de Daniela Piedade ao Portal Esporte Net. A atleta conta com exclusividade aos leitores detalhes da sua trajetória pelo handebol, fala sobre a chegada das jovens atletas na seleção brasileira, descarta a possibilidade de se tornar treinadora, conta sobre objetivos futuros e como uma atleta de respeito deixa seu recado para aquelas que chegam para representar o Brasil.

ENTREVISTA EXCLUSIVA 

1) Agora que você encerrou a sua carreira como atleta, qual o balanço você faz da sua carreira profissional?

Foram quase 17 anos de handebol profissional na Europa, eu posso contar também um pouco de profissional no Brasil, porque a partir do momento que a gente recebe um salário, podemos dizer que nós somos profissionais. Isso quer dizer, que eu sou atleta profissional desde 98, onde eu comecei a jogar e receber um salário pelo Jundiai handebol clube, que são 20 anos.

Meu balanço como profissional foi de crescimento, de conseguir muita experiência devido os anos, muitos campeonatos conquistados, muitas derrotas, muitas coisas como profissional. Sendo profissional a gente tem sempre o bom de ter uma boa estrutura, de jogar ligas boas. Na época que eu jogava no Brasil, nós tínhamos uma liga nacional muito melhor que hoje, nós tínhamos campeonato brasileiro para classificar para a Liga Nacional, hoje em dia, já não tem mais, na verdade a nossa Liga Nacional é uma vergonha, eu posso dizer, mas enfim, aqui na Europa foram anos de muito sucesso no Hypo Nö, na Áustria, que foram 10 anos e meio, depois fui para a Eslovênia. Nesses anos que joguei Liga dos Campeões eu cheguei a jogar só uma final, que infelizmente nos perdemos de 2 gols, contando com as duas partidas, que na época não tinha Final Four. Foram anos de muito crescimento, de muitos desafios.

Como atleta profissional, posso contar também com a seleção, que foram 16 anos, muito feliz de ter conquistado os 4 pan-americanos que disputei. Dos 7 mundiais que joguei, conseguimos conquistar o Mundial em 2013, foi uma conquista não só pra gente como atleta, mas para o país. Disputei 4 olimpíadas, infelizmente não conquistamos nenhuma medalha olímpica. Nós tivemos a oportunidade de ter essa conquista tanto em Londres, como no Brasil, mas infelizmente também não deu certo. 

Daniela Piedade em ação pelo seu último clube Alba Fehérvar Kc/ Foto: Arquivo Pessoal

2) Qual foi o momento mais importante que você passou enquanto atleta?

Sendo atleta a gente passa por muitos momentos, bons e ruins. Um resumo mesmo, acho que a nossa conquista maior foi o Mundial em 2013, acarretando depois de uma superação de 1 ano e pouco de um AVC que eu tive em 2012. Todas as Olimpíadas que eu participei, foram momentos super importantes, a gente está lá entre os melhores atletas do Mundo, pra gente a Olimpíada é a competição mais importante, que quando dá resultado é o que nos traz mais coisas no geral, os quatro pan-americanos, também foram muito importantes. De conquistas, acredito que é isso.

3) Você se arrependeu de algo que não fez em quadra?

 Eu posso dizer que não arrependi, tendo um balanço de tudo, agora eu posso dizer que não. Lógico, no decorrer da carreira a gente sempre fala “deveria ter feito isso” “deveria ter feito aquilo outro”, agora não adianta eu como atleta aposentada, não adianta eu falar “deveria ter feito isso”. Eu tive oportunidade de cada vez que eu fechava um contrato, cada ano que eu me dava o prazer de jogar pela seleção, cada ano que passava, eu me colocava metas, então, naquela época eu poderia colocar, que eu poderia ter feito algo, mas, hoje não, eu como atleta aposentada, eu não posso dizer que eu me arrependo de algo, muito pelo contrário, eu faria tudo de novo.

Seleção feminina comemorando a conquista do ouro no Mundial de 2013/ Foto: Reprodução internet

4) Quando você viu que realmente era a hora de aposentar por total das quadras?

A idade vai chegando e a gente coloca outras prioridades, ainda mais sendo mulher. Lógico, que se eu tivesse 10 anos a menos, eu ainda estava jogando pela seleção, eu ainda estava jogando em um clube de ponta, mas infelizmente a idade chega. Puxa são 27 anos de handebol, tem sempre aquela coisa, tudo que é demais já começa a enjoar (risos), você começa a ter cansaço, o corpo já não reage como reagia antigamente. Eu treinava e no dia seguinte eu estava fresquinha pra treinar, pra jogar, que seja, mesmo tendo uma recuperação boa, mas com certa idade, a gente realmente sente e também tem outras coisas fora da quadra, que nos últimos anos têm me magoado muito e isso também acarretou de chegar um momento de dar um basta.

São situações que hoje em dia, cada vez tem aumentado mais, onde aparece a questão de quem está jogando na Europa, vê atleta que não recebe salário, que os contratos não têm mais valor, que os dirigentes, presidentes, etc, quando resolve descartar uma atleta, ele faz. A proteção do atleta hoje é mínima. Os dirigentes, simplesmente, lavam as mãos em certas situações. Tem exceção pra tudo, mas lavam as mãos, porque muitos deles querem deixar a porta aberta para outros momentos, para outras atletas, então eles nunca querem brigar pelas equipes, que hoje em dia, já não são muitas equipes boas. Antigamente tinham muitas boas e que tinham nome, que tinha estrutura super legal, hoje já não tem mais. O dinheiro está acabando, o handebol europeu também está quebrando, muitas equipes e eu pensava que isso estava mais no feminino, mas eu tenho visto que também acontece no masculino, então, é difícil, porque as federações de cada pais não ajudam, a federação europeia muito menos.

Eu mesma, tenho meus problemas ainda com a minha equipe da Eslovênia, que ainda me devem salários e simplesmente, não estão nem ai, se paga, se não paga. E eu não sou a única, eu sou uma de muitas. Vai passando temporada que salário atrasa, que não paga, mas como a situação está tão ruim, as atletas simplesmente aceitam da forma que está e cada vez fica mais difícil. Então, esse também foi um dos pontos que me fez parar, que é muito triste ver o que está acontecendo. Eu vejo hoje, atletas que estão jogando em certas equipes, que ficam meses sem receber, porque eles pensam que atleta não come, que atleta não tem sua dívidas para serem pagas e mesmo assim cobram profissionalismo, resultado e etc. Então, resumindo, resumindo mesmo, eu fui pouco a pouco tirando as coisas, eu tenho o privilégio de escolher. Eu fui passando por competições e a cada competição que passava eu falava essa é a última. Começou no Pan-Americano que foi classificatório para o Mundial de 2013, eu participei com as meninas, era uma equipe bem mesclada de jovens e as meninas mais experientes, falei que seria meu último pan-americano e assim foi seguindo, fui no Pan de Toronto, ali também falei “este daqui é o meu último”, também joguei o Mundial da Dinamarca de 2015 e chegou a última Olimpíada e ali eu simplesmente avisei que minha aposentadoria na seleção havia chegado e ali foi a minha última olimpíada e eu ainda dei uma esticadinha, que não foi nada fácil, simplesmente parar e eu fiz mais um contrato na Hungria com uma equipe profissional, de uma liga super forte que é a Húngara, eu ali também, fechei o meu ciclo como uma atleta profissional em uma equipe mais forte e ai também dei uma esticadinha, na equipe aqui na Espanha que apesar de ser uma equipe mais amadora, nós jogamos a liga De Honor a 1ª divisão da Espanha, a equipe que eu entrei tinha acabado de subir para a primeira divisão. Foi um ano legal, uma experiência diferente, nova e a partir disso, chegou o momento mesmo de eu me despedir das quadras e agora pensar em outras coisas.

Daniela Piedade representou a seleção braileira de 2000 a 2016/ Foto: Reprodução internet

5) Quais são seus planos de agora em diante?

(Risos) boa pergunta. Eu tenho tantos planos na minha cabeça, que ao mesmo tempo não tenho nada. No momento eu quero estar super tranquila. Eu posso dizer que eu dei uma desligada, eu quero descansar, eu quero simplesmente desfrutar um pouco minha relação com meu namorado, eu quero viajar, eu quero fazer coisas novas, lógico, eu penso em projetos, eu penso em cursos, eu penso em muitas coisas, meu namorado vive me dizendo. O importante é que eu estou bem perdida, eu fiz tanta coisa já, que ao mesmo tempo, eu ainda não me encaixei em um objetivo de “ah eu vou fazer isso, eu vou fazer aquilo”. Não posso dizer realmente o que eu vou fazer, eu quero simplesmente agora, dar uma pausa, descansar, viajar, ajudar o meu namorado aqui na Espanha, que eu vivo aqui. Se Deus quiser em dezembro eu vou para o Brasil, descansar um pouco, ficar um pouco com a família também.  Estou organizando também para casar, agora as coisas vão acontecendo. Mas, no profissional, não tenho nada fixo ainda, para dizer.

6) Algumas atletas experientes já aposentaram da seleção brasileira após o Rio 2016, que foi também o seu caso. Você acredita que a Seleção está se adaptando bem com a saída dessas atletas referencias e a chegada de jovens atletas?

Na verdade depois do Rio 2016, chegou o ponto maior, mais alto, do momento da renovação. Eu fazia parte da seleção desde 2000 e de Atenas pra cá, a cada Olimpíada teve sempre uma renovação, mas essa do Rio foi bastante gente, tanto que no Mundial seguinte, tinha mais de 50% de jovens talentos. O público em geral estava acostumado com a nossa seleção, ainda mais com as mais velhas, a Dara, eu, Alexandra, Mayssa e tem outras também. Dara, eu, Alexandra, nós estávamos desde 2000, foram 16 anos com a seleção, com a nossa experiência, nosso carisma e com todas aquelas coisas, que só nos três temos e lógico, eu vejo que vão sentir, mas chegou o momento da renovação, e isso é muito importante, deveria ter feito já a algum tempo. Questão de adaptação, isso acontece com todo o ciclo olímpico, isso faz parte e infelizmente essa geração pegou um momento bem nublado, porque simplesmente é uma seleção, que pegou duas gigantes competições que foi a Copa do Mundo e Olimpíada no Brasil. Competições que quebraram os cofres públicos, o Brasil está quebrado devido a esses campeonatos e outras coisas, mas que tocou mais o esporte. Então, não só o handebol, mas o esporte no geral está quebrado. O nosso governo teve a questão de acabar com o pouco que tinha e ainda veio aquela bomba da MP 841 e isso pra acabar ainda, com o pouco que a gente tem.

Nós tínhamos muitas dificuldades na época de Zezé, Sandra, Lucila e etc, muitas vezes nos dormíamos embaixo da arquibancada, o clube muitas vezes pagava passagem para fase de treinamento no Sul do Brasil ou no Paraná, que seja. A gente recebia pouco material, que muitas vezes tinha que devolver ou passar para uma outra pessoa, que ia participar da fase seguinte, eram situações super diferentes, a gente não recebia tênis, não recebia salário, a gente não recebia nada, então, nós chegamos em um patamar, que as mais jovens, chegaram a acostumar com isso e agora infelizmente nós estamos em uma situação, não vou falar parecida/igual, a daquela época, porque nós temos outra estrutura, bem ou mal, nós temos um nome diferente no esporte nacional, então igual não vai ser. Mas, que a dificuldade agora chegou, ela chegou, então a questão de adaptação, um novo treinador, questão econômica diferente, mas as competições elas vão existir. As atletas que estão hoje na seleção, estão jogando na Europa, com as suas equipes, jogando ligas boas, recebendo seus salários, algumas sim, outras não, depende de como cada equipe está tratando a atleta, mas enfim, o barco precisa continuar navegando e se cada uma tem o seu objetivo pessoal como atleta, isso vai simplesmente, agregar a equipe brasileira e assim vamos buscando melhores resultados. Vai se adaptar, elas vão melhorar, um conjunto vai entrar, então, vamos ter paciência, fé e esperar que o nosso país melhore um pouco e que as coisas mudem!

Dani Piedade, Ale Nascimento e Dara/ Foto: Reprodução internet

7) Você é uma atleta experiente. Se hoje assumisse a seleção brasileira, qual seria a primeira mudança para tentar colocar o Brasil novamente no topo?

Bom, eu não penso nem na possibilidade de assumir a seleção, então, eu não tenho opinião sobre isso. A partir do momento que você têm o objetivo, a partir do momento que você foca naquilo e vê realmente as possibilidades, o recurso, a gente pode ter uma opinião. A partir do momento que eu não vejo nada nas minhas mãos, eu não tenho opinião.

8) O que você diria para aquelas jovens atletas, que estão começando a ter a “pressão” de representar o Brasil na seleção principal?

Os fãs estão acostumados com certa atleta, com certo estilo, certo caráter e lógico, que vai haver a diferença quando essas novas atletas, não estiverem bem. A pressão vai cair forte nessas atletas, mas a pressão acontece agora e acontecia antes também e essa geração nova, ela têm simplesmente o peso do Mundial de 2013. O brasileiro, quando vem a questão da derrota, ele compara com aquilo que você já conquistou. Pode ter sido 100 anos atrás, ele vai comparar, com aquelas que conquistaram.

Brasileiro tem, posso dizer que é uma mania, lógico a gente tem que colocar no topo, aquilo que foi conquistado, aquelas que conquistaram, tem que dar o valor. Só que, é um novo momento, são outras atletas, novo treinador, são adversários com novas atletas também, então, eu só vejo e acredito que agora as atletas da nova geração, farão seu trabalho da forma que você possa fazer, não queira fazer o a mais, sem você poder fazer, entendeu. Demonstre o que você faz de melhor, não venha querer se comparar com outra. Nós somos únicas, somos atletas e cada uma tem seu estilo, caráter. Isso é uma questão de grupo, que precisa ser forte. Nós chegamos em 2013, com uma equipe super forte, fisicamente, psicologicamente dizendo, como equipe. Isso que foi pra gente, o ponto mais importante. Então, se a nova geração não colocar na cabeça que cada uma tem que colocar dentro de quadra o seu melhor, sem querer e sem comparar com ninguém, e simplesmente agregar ao coletivo, porque uma atleta que vem pra seleção e queira jogar sozinha, não vai ganhar nada, simplesmente vai atrapalhar. Nós já tivemos situações assim e quando uma atleta que jogar sozinha a gente não ganha.

Nós podemos demonstrar também, que quando a gente joga junto, quando a gente faz um grupo sólido e feliz, as coisas acontecem. Mas, a partir do momento que o grupo é separado, tem atletas que pensem só em si própria, infelizmente não vai nada pra frente. Então, o certo daqui pra frente é que cada atleta jovem que for pra seleção, faça o seu melhor, não só dentro da seleção, mas dentro do seu clube, porque ela está o tempo maior, dentro do clube. São poucos os momentos que ela está com a seleção. Então, faça o melhor no clube, escute o treinador, porque é muito importante você respeitar o treinador, pode ser o pior do mundo, mas pegue o que é bom, descarte o que é ruim e faça o seu melhor!

20 anos de handebol profissional, um título mundial e muita história para contar/ Foto: Reprodução internet